Não Laidita, este fado, não foste tu que me ensinaste.
Quer dizer, ensinaste-me a música, mas a minha mãe ensinou-me a letra, ensinou-me o significado dessa letra para nós, e, porque o destino sempre adorou gozar com a minha cara, aprendi sozinha o que a letra significa na sua essência.
Reza a história da nossa familia, que o meu bisavô materno, homem de inenarrável inteligência e cultura (leu a enciclopédia "Os Mileniums " - acho que foi o único - construiu sozinho uma torrefação de café e era ele quem fazia os chapéus com carteiras a condizer para todos os filhos - e eram muitos- 8) com esforço, dedicação e autoridade, chegou a chefe da Estação CP da Granja.
Era respeitado por todos, mesmo pelos fidalgos, que gostavam de calcar o risco, mas sabiam que com o Sr. Jalles não era possivel.
A minha bisavó Olinda era mulher de rara beleza (e segundo me conta a minha mãe, um sentido de humor do best), tão rara que o meu bisavô a proibia de sequer ir à janela, e se ela gostava de ir à janela, conversar com quem passava.
A vida deu-lhes 8 filhos (e outros tantos abortos nos intevalos) e a minha bisavó, não obstante a beleza e sentido de humor, foi ficando com o corpo marcado, as pernas inchadas....
O meu bisavô Jalles com toda a sua cultura, trabalho e maneira de ser, chegou a chefe da Estação CP da Granja.
E.... reza a história que moravam no primeiro andar por cima da estação.
À estação iam diversas pessoas, como é normal, incluindo uma senhora feia e ignorante que ia "despachar" as flores. Vinha de Serzedo a pé, e em dias de chuva, chegava à estação da Granja ensopada.
Tão ensopada que a minha bisavó, um dia, a convidou a subir à sua casa para tomar um chá para se aquecer.
E nesse dia, em que a convidou, a minha bisavó soube que era a amante do meu bisavô!
E como?
Fácil. A minha bisavó estava no cimo das escadas à espera que aquela mulher subisse, e o meu bisavô nos rés do chão. Mas quando aquela mulher subiu as escadas o meu bisavô olhou na sua direcção.
Ora um cavalheiro como ele, nunca o faria, a menos que fosse intimo, porque se olhasse poderia ver-lhe as pernas, e um cavalheiro, um senhor casado, nunca o faria.
Foi assim, com este pormenor que a minha bisavó descobriu.
A minha bisavó esperou que eu nascesse para morrer.
O meu bisavô morreu tinha eu quatro anos, mas lembro-me bem de o ter visitado na casa da sua amante, numa cama enconstada à parede, num quarto pintado de verde água, e com a tal amante, que nem sabia dizer frigorífico (era friforifro).
Reza ainda a história, que aquilo não era amor, foi bruxedo, levantado na missa, no momento entre o levantar da óstia e o lavantar do cálice. Para toda a vida, sem ser possivel desfazer.
Reza a história, a minha, que herdei a desconfiança da minha bisavó, e que sempre descobri as traições, e já foram tantas...
Só ainda não fui capaz de dizer "meu amor não venhas cedo".
Impõe a minha lealdade terminar, antes de cometer qualquer erro, nomeadamente o de quem me trai.
Reza a minha história que um dia este fado não será meu, que será apenas uma história de familia....
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