Exmº Sr.
Ministro das Finanças
Ando há muito para
lhe dirigir algumas palavras, mas não é fácil reunir as condições necessárias
para nos dirigirmos a tão imponente figura do panorama nacional.
Porém, neste
momento, e após os últimos acontecimentos, não posso deixar de o fazer,
dirigindo-lhe algumas palavras de agradecimento e sobretudo reconhecimento.
Não. Não pense
que estou a ser cínica, creia-me sincera e honesta
Sobre Finanças Públicas reconheço que não percebo nada,culpa minha, uma vez que na faculdade
fiz duas cadeiras sobre o assunto. Mas de facto, não consegui perceber nada do
que por ali se explicava. Aliás sempre achei que as Finanças Públicas estão
muito mais próximas do exotérico que, a minha área – o Direito.
Contudo, no
que concerne a finanças privadas/particulares penso que tive óptimos
professores.
Aprendi com a
minha mãe o que é fazer o dinheiro esticar até ao final do mês. A minha mãe,
professora de profissão, conseguiu criar três filhos, basicamente sozinha, sem
apoios sociais ou de outro tipo qualquer (nomeadamente do tipo meu pai que se
estava borrifando para o assunto) e conseguiu fazê-lo com imenso sucesso já que
eu tenho uma profissão que desempenho com todo o amor, e penso que bem, a minha
irmã é investigadora científica e o meu irmão, chefe de cozinha.
Como perceberá
– ou talvez não – não era fácil fazer o dinheiro esticar até ao final do mês,
mas a minha mãe sabia fazê-lo com mestria e graça. Mestria porque de alguma
forma sempre o conseguiu fazer, poupando sobretudo em tudo o que é supérfluo e
graça porque ainda demos umas valentes risadas já que conseguíamos ironizar a
ausência de determinados bens.
Supérfluo,
ora vamo-nos demorar por aqui mais um pouco.
A
minha mãe sabia – e sabe – perfeitamente identificar o que é supérfluo, por
isso, raramente comíamos fora, não tínhamos roupas de marca, não viajávamos
muito (e quando o fazíamos era para casa de familiares) não tínhamos os últimos
gritos de tecnologia (ainda me lembro de não haver televisão a cores ou leitor
de VHS) mas, numa época em que ainda não havia “auto-estrada de informação”, tinha-mos as melhores enciclopédias (incluindo a luso-brasileira) os melhores
dicionários, as melhores obras da literatura, o Atlas, enfim, os melhores
livros que existiam na altura, e que a minha mãe, lá conseguia – a prestações –
comprar.
Voltaremos
ao supérfluo mais tarde.
O
meu outro grande professor foi o meu avô materno.
Este (autêntico) senhor, conseguiu sozinho montar uma pequena indústria familiar de rolos e
pincéis, porém, trabalhava tanto e produzia tais quantidades, que em casa eram
recebidos telefonemas da Inglaterra e de Cabo Verde, das empresas clientes, que
pediam a quem atendia o telefone (nomeadamente à minha mãe) para passar a
chamada à secção da contabilidade, a qual era composta pelo meu avô (que fazia
a “escrita” ao Domingo), e pela minha avó, que nos intervalos de fazer roupa
para fora, e bacalhau para o almoço, lá ia despachar as encomendas aos
correios. Estes telefonemas para a contabilidade eram sempre motivo de grande
risota.
O
meu avô, tinha na vida um grande medo (e hoje percebo-o) – as Finanças.
Mas
trabalhou e nunca ficou a dever nada a ninguém, e sobretudo, poupou o
suficiente para que ainda hoje a minha avó tenha uma vida confortável.
Se
o meu avô foi um exemplo de trabalho, foi. Mas foi sobretudo um exemplo de
honestidade.
Sem
o querer aborrecer ou entendiar, deixe que lhe conte uma história do meu avô.
Este homem, ia à cidade do Porto com alguma frequência, e ia de comboio.
Por
vezes a bilheteira do apeadeiro onde entrava estava fechada, e durante a viagem
o revisor não aparecia.
Ora
qualquer “chico-esperto” esfregaria as mãos de contente, pensando nos tostões
ou escudos que teria poupado. Mas o meu avô não. O meu avô assim que saía na
estação de S. Bento ia comprar o bilhete que não tinha podido comprar antes (provavelmente
hoje em dia o sistema não ia permitir).
É,
na minha opinião um grande exemplo de honestidade.
Mas
voltando ao motivo da minha carta – a expressão do meu agradecimento.
Sempre
me disseram que sempre que não soubesse alguma coisa, deveria perguntar a quem
sabe ou, procurar saber, lendo e estudando.
É
isso que sempre tenho feito, e faço com bastante regularidade, já que reconheço
que o saber é tão vasto, que há de facto muito que não sei, e não sei de
Finanças Públicas, mas estou disposta a aprender.
Ora
os já meus referidos professores de finanças privadas, ensinaram-me a
distinguir o importante do supérfluo, a ser poupada e honesta.
Porque
não percebo nada de finanças públicas, e é o tema do momento, achei que o
melhor professor para me ensinar seria Vª Exª, e como mais depressa se
aprende com a prática do que lendo apenas teorias, analisei as medidas de
austeridade que Vª Exª pretende aplicar.
Corrija-me
se estou errada, mas da análise efectuada concluí que, somos um país que na
coluna do “débito” (a que aprendi na escrita do meu avô como sendo a do
vermelho) tem um valor superior ao que se encontra na coluna do crédito, vai
daí, Vª Exª toma medidas, tais como aumento de impostos para equilibrar as
contas.
Aqui
chegada, sou assaltada pela primeira dúvida. Ora, como é que eu para equilibrar
as contas lá de casa (porque com o aumento de impostos tenho menos rendimento
liquido) aumento a receita?
E
concluí que não posso (não sou piegas, nem malandra, mas a lei diz que não o
posso fazer).
E
então como resolver? Já sei. Tenho que diminuir na despesa.
Socorri-me
novamente dos exemplos dados por Vª Exª, nomeadamente ao retirar os subsídios e
a diminuir o valor dos vencimentos e pensei: “Já sei, vou dizer à minha
empregada que lhe vou reduzir o valor que lhe pago à hora pelos serviços de
limpeza.”
Rapidamente
percebi que seguir este exemplo dado por Vª Exª era no mínimo profundamente
injusto, já que se acordei com a senhora um valor à hora, não posso unilateralmente
determinar a redução desse mesmo valor.
Então
em que despesa é que eu vou reduzir?
Não,
também não pode ser no valor do ATL dos meus filhos (andam na escola pública
por isso não há despesas do colégio), porque se lhes disser que agora decidi
pagar menos, eles, e bem, mandam-me às urtigas (isto para ser educada, porque
penso que não seria bem às urtigas que me mandariam).
Mais
uma vez em que despesa, senhor, em que despesa?
E forçosamente concluí que teria que ser, não sei muito bem onde, mas talvez menos cafés por dia, mais sopa às refeições, enfim, andei a dar voltas à minha
cabeça, e sou-lhe franca, não estava bem a ver.
Não conseguia.
Pensava, pensava e nada.
Até
que finalmente, Eureka, percebi como o fazer, e daí esta carta de agradecimento e admiração.
Eu
tenho é que aumentar a receita como faz Vª Exª, que comunica ao País aumentos
de impostos ou taxas, ou o que lhe quiser chamar, e assim já consegue.
Assim,
Sr. Ministro, é grata, agradecida, com uma profunda admiração, quase em êxtase
que lhe comunico que está notificado para proceder de imediato a um aumento de
30% do meu vencimento (para dar para o que aumentou em IRS e em IVA de bens essenciais e já agora para o combustível - bem hajam as gasolineiras e esses aumentos não acordados mas em uníssono, um dia destes têm que também me ensinar como se consegue tal feito-.
Afinal,
tantas voltas que dei à minha cabeça a pensar onde iria cortar, para perceber
que basta seguir os exemplos de Vª Exª para perceber que não é preciso cortar
despesa é preciso é criar receita, e de forma imediata, e como não posso
aumentar impostos (a receita que o Estado tem) aumento a única receita que
tenho – o meu ordenado, e faço-o como? Como Vª Exª. Comunico o aumento.
Se
Vª Exª soubesse de finanças privadas, como a maioria dos portugueses é hoje
obrigada a saber, seria impelido pela consciência ética e prática a uma redução
das despesas da máquina do Estado. Mas não a despesa com salários (porque cai
na categoria do essencial), e sim a despesa com o supérfluo, e vai daí,
diminuiria nos dinheiros concedidos a Fundações (sim, essas que são clubes de
determinadas famílias e que não se percebe que interesse público encerra a
manifestação prática do seu objecto), reduziria os cargos ocupados por um
conjunto de energúmenos e cujo resultado se traduz em rigorosamente nada,
colocaria um fim às parcerias publico privadas nas quais o Estado sobretudo tem
o dever de pagar e o privado o direito de receber (é que se Vª Exª se está
borrifando para o Tribunal Constitucional, um incumprimento contratual deve,
coerentemente, ser equiparado a “trocos”) e sobretudo tomaria um conjunto de
medidas para criação de emprego e crescimento da economia, assim poderia depois
ir cobrar o IRS e IRC que alimentam o funcionamento da máquina do Estado.
Mas
isto sou eu que, como disse, não percebo nada disto.
Sem
o querer aborrecer com esta missiva que já vai longa, mais uma vez Sr.
Ministro, muito obrigada, obrigada pelo esclarecimento, obrigada pelo exemplo,
do fundo do coração o meu muito obrigada, e claro, cá fico à espera do aumento
(e não se preocupe com despachos ou portarias, já que algumas reduções foram
efectuadas sem qualquer suporte legal e por unilateral alteração do programa
informático – o sistema como se costuma dizer).
Despeço-me,
não sem antes o informar, que darei conhecimento desta minha descoberta usando
os meios ao meu dispor, ao maior número de portugueses, porque, também sempre
me ensinaram a partilhar.
Grata,
muito grata,
Atentamente