quarta-feira, abril 17, 2013

Como? De um Adeus que é um até já.....

"Como é que se esquece alguém que se ama? Como é que se esquece alguém que nos faz falta e que nos custa mais lembrar que viver? Quando alguém se vai embora de repente como é que se faz para ficar? Quando alguém morre, quando alguém se separa - como é que se faz quando a pessoa de quem se precisa já lá não está?
As pessoas têm de morrer; os amores de acabar. As pessoas têm de partir, os sítios têm de ficar longe uns dos outros, os tempos têm de mudar Sim, mas como se faz? Como se esquece? Devagar. É preciso esquecer devagar. Se uma pessoa tenta esquecer-se de repente, a outra pode ficar-lhe para sempre. Podem pôr-se processos e acções de despejo a quem se tem no coração, fazer os maiores escarcéus, entrar nas maiores peixeiradas, mas não se podem despejar de repente. Elas não saem de lá. Estúpidas! É preciso aguentar. Já ninguém está para isso, mas é preciso aguentar. A primeira parte de qualquer cura é aceitar-se que se está doente. É preciso paciência. O pior é que vivemos tempos imediatos em que já ninguém aguenta nada. Ninguém aguenta a dor. De cabeça ou do coração. Ninguém aguenta estar triste. Ninguém aguenta estar sozinho. Tomam-se conselhos e comprimidos. Procuram-se escapes e alternativas. Mas a tristeza só há-de passar entristecendo-se. Não se pode esquecer alguem antes de terminar de lembrá-lo. Quem procura evitar o luto, prolonga-o no tempo e desonra-o na alma. A saudade é uma dor que pode passar depois de devidamente doída, devidamente honrada. É uma dor que é preciso aceitar, primeiro, aceitar.
É preciso aceitar esta mágoa esta moinha, que nos despedaça o coração e que nos mói mesmo e que nos dá cabo do juízo. É preciso aceitar o amor e a morte, a separação e a tristeza, a falta de lógica, a falta de justiça, a falta de solução. Quantos problemas do mundo seriam menos pesados se tivessem apenas o peso que têm em si , isto é, se os livrássemos da carga que lhes damos, aceitando que não têm solução.
Não adianta fugir com o rabo à seringa. Muitas vezes nem há seringa. Nem injecção. Nem remédio. Nem conhecimento certo da doença de que se padece. Muitas veiezes só existe a agulha.
Dizem-nos, para esquecer, para ocupar a cabeça, para trabalhar mais, para distrair a vista, para nos divertirmos mais, mas quanto mais conseguimos fugir, mais temos mais tarde de enfrentar. Fica tudo à nossa espera. Acumula-se-nos tudo na alma, fica tudo desarrumado.
O esquecimento não tem arte. Os momentos de esquecimento, conseguidos com grande custo, com comprimidos e amigos e livros e copos, pagam-se depois em condoídas lembranças a dobrar. Para esquecer é preciso deixar correr o coração, de lembrança em lembrança, na esperança de ele se cansar.

Miguel Esteves Cardoso, in 'Último Volume'"
 
Pois é Vó, explica lá como é que se faz.....
Quando perguntei à minha mãe como é que era a dor do parto disse-me :" é uma dor apertada".
É verdade. Dos meus dois filhos o que senti foi uma impressão apertada (o J. de parto normal sem epidural foi mesmo uma impressão apertada), mas a dor apertada não é nos partos, é nas partidas.
Foi o que senti na ida do meu pai para o cemitério, foi o que senti com o Zeca, e foi o que senti contigo na Igreja, uma dor apertada.... uma dor que nos faz sentir que todas as entranhas nos vão sair pela boca, mas por mais contracção que se faça do diafragma, não sai nada.... Só lágrimas,  e raiva, e dor, e uma dor que não é de sitio nenhum (tudo está anestesiado)  e não cabe em sítio nenhum....É uma dor da alma, uma dor de dentro do peito.
E agora Adelaide o que é que eu faço?
Já enchi a minha casa com as tuas fotos, já percorri as minhas lembranças e a tua voz....
Quem me vai cantar a canção do mar? Quem me vai trazer os biscoitos que o vô zeca trazia do Porto?
Quem me vai cantar "o mar enrola na areia ..." ou "naquela linda manhã..."? É que foi contigo que aprendi a gostar de fado " tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto é fado".
Quem vai insistir para eu aprender (nomeadamente costura, e o máximo que consegui foi fazer cordeis de liga) porque quem não sabe fazer não sabe mandar?
Quem me vai dizer que o almoço é bacalhau frito com arroz de bacalhau?
A sério Lailita, diz lá, quem vai arrumar a tenda que eu e Ninu fizemos com o guarda sol laranja e vermelho e cheio de toalhas de praia presas com molasda roupa e almofadas com rosas vermelhas de estampado a servirem de decoração interior?
Diz-me quem é que nos vais pedir para ir ao pão, e depois à couve, e depois à fruta, tudo na meia hora antes e depois do lanche preparado com requintes dos fidalgos da Granja?
Quem é que vai contar as histórias desses fidalgos e dos vestidos que costuraste com modelos de revista, alinhabos de amor e alfinetes de brio?
A sério Laidinha, quem?
Passou um mês e uma semana. Tempo demais e tempo de menos.
É preciso eu andar de memória em memória.....

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