Reconheço que sim. Tenho mesmo um feitio de merda.
Não é que seja uma merda de pessoa, porque sinceramente acho mesmo que não sou, mas de facto eu tenho um feitio de merda.
Mas isso advém da merda de vida que tive e tenho.
Já vivi muito, já aprendi muito, já me esborrachei no chão mais do que uma vez, e isso dá-me estaleca.
Deu-me sobretudo a capacidade de me reerguer uma e outra vez e outra a seguir (se há alguém que sabe exactamente quantas vezes é preciso se reerguer, sou eu), mas deu-me sobretudo a capacidade de esforçando-me cada vez mais, esperar cada vez menos.
Porque quem nada espera, não se desilude, e não cai de novo.
Mas levantarmo-mos de um filho que escorrega por entre as mãos, para se despenhar (é M. vais-te despenhar) custa muito, e custa cada vez mais, porque tu estás a crescer, mas mesmo aumentando a tua compreensão, há verdades que não te quero contar.
Por isso vou-te escrever algo, como se te dissesse ao ouvido, durante o sono, apenas porque sei que não te vais lembrar, mas talvez te fique no subconsciente.
Então aqui vai.
Só nasceste porque eu quis, porque não cedi à vontade do teu pai, que era não te ter (e olha que bem tentou).
No dia em que nasceste, o teu pai não estava lá, estava de férias sozinho, por isso os únicos beijos que recebeste foram os meus, e os da tua avó, do teu irmão e da tiá.
Aliás, o teu pai era um gajo tão atento, e com tal sentimento, que esteve durante duas horas no quarto errado a olhar para um filho que não era o dele (e nem se apercebeu, pobre dele).
Foste amor à primeira vista, tal como o J., mas, e mal olhei para ti, vi o quanto eras a minha cara.
Tu és eu, em ponto pequeno. Na cara, na inteligência, na forma aventureira como encaras a vida, no teu olhar brilhante e que anseia todas as descobertas do mundo. Tu és eu.
Numa coisa não és. Tu não me ouves, tu não percebes que é quem te diz "não é por aí", quem mais te ama.
Estás iludido com um pai que tudo permite e tudo dá (de material, claro). Eu não tive um pai assim, mas tive uma senhora mãe, que já desiludi mil e uma vezes, mas que sempre ouvi, porque sei que é a única pessoa no mundo, que me ama, incondicionalmente, me ama tanto que me deixou partir, e eu voltei.
Tu não me vês assim, e iludes-te com carros xpto e comida em marisqueiras (o que .
E todos temos o direito de cair, e o dever de levantar, mas estas palavras são apenas, porque sei o que te vai doer quando caíres na real, porque vais cair na real, e vai-te doer (a mim também doeu), e queria poupar-te as dores de crescimento, mas não te poupo as verdades que tens que ouvir sempre que ages mal ou fazes merda.
E não querer voltar para a tua casa, é fazer merda. Não me quereres enfrentar, teres medo.
Tens 9 anos, vais ainda viver muito, e ainda vais cometer muitos erros, mas sabe, que a única casa que terá sempre as portas abertas é esta (um dia vais perceber que há portas que estão apenas abertas para um determinado interesse ou expectativa, mas as minhas estarão abertas mesmo que seja para te receber desolado, enganado ou triste, ou mesmo por falta de alternativas), porque esta é a tua casa, e ninguém nunca te amará mais que eu.
E a tua mãe é mesmo bruxa. Foi aqui que deixei o post que comecei a escrever esta tarde, e agora, no momento em que contínuo, tu já saiste.
Pois é filho, volta quando quiseres, a porta da nossa casa estará sempre aberta para ti.
Mas isto não é pensão. Voltas quando quiseres para ficar, vais quando quiseres para partir.
Dói-me que não te custe me deixares e ao teu irmão. Dói-me a felicidade no teu rosto, porque sei que é engano.
Mas a vida é assim. Sabes o que me dói mais? A dor que vais sentir quando caires na real, quando vires que és um estorvo, quando sentires que tens que enfiar o orgulho no bolso para bateres à nossa porta.
Mas cá estarei, para te encher de beijos e abraços.
Sabe isto, ninguém nunca te amará mais que eu, mas também nunca ninguém te deixará tão livre para seguires o teu caminho. É assim o meu amor, respeitando sempre a liberdade e o livre arbítrio, mas sempre rede para proteger quem quase cai.
Que sejas tão feliz, quanta a felicidade que trazias quando te despediste de mim ....