segunda-feira, setembro 17, 2012

Carta ao Ministro Das Finanças


Exmº Sr. Ministro das Finanças

Ando há muito para lhe dirigir algumas palavras, mas não é fácil reunir as condições necessárias para nos dirigirmos a tão imponente figura do panorama nacional.
Porém, neste momento, e após os últimos acontecimentos, não posso deixar de o fazer, dirigindo-lhe algumas palavras de agradecimento e sobretudo reconhecimento.
Não. Não pense que estou a ser cínica, creia-me sincera e honesta
Sobre Finanças Públicas reconheço que não percebo nada,culpa minha, uma vez que na faculdade fiz duas cadeiras sobre o assunto. Mas de facto, não consegui perceber nada do que por ali se explicava. Aliás sempre achei que as Finanças Públicas estão muito mais próximas do exotérico que, a minha área – o Direito.
Contudo, no que concerne a finanças privadas/particulares penso que tive óptimos professores.
Aprendi com a minha mãe o que é fazer o dinheiro esticar até ao final do mês. A minha mãe, professora de profissão, conseguiu criar três filhos, basicamente sozinha, sem apoios sociais ou de outro tipo qualquer (nomeadamente do tipo meu pai que se estava borrifando para o assunto) e conseguiu fazê-lo com imenso sucesso já que eu tenho uma profissão que desempenho com todo o amor, e penso que bem, a minha irmã é investigadora científica e o meu irmão, chefe de cozinha.
Como perceberá – ou talvez não – não era fácil fazer o dinheiro esticar até ao final do mês, mas a minha mãe sabia fazê-lo com mestria e graça. Mestria porque de alguma forma sempre o conseguiu fazer, poupando sobretudo em tudo o que é supérfluo e graça porque ainda demos umas valentes risadas já que conseguíamos ironizar a ausência de determinados bens.
            Supérfluo, ora vamo-nos demorar por aqui mais um pouco.
        A minha mãe sabia – e sabe – perfeitamente identificar o que é supérfluo, por isso, raramente comíamos fora, não tínhamos roupas de marca, não viajávamos muito (e quando o fazíamos era para casa de familiares) não tínhamos os últimos gritos de tecnologia (ainda me lembro de não haver televisão a cores ou leitor de VHS) mas, numa época em que ainda não havia “auto-estrada de informação”, tinha-mos as melhores enciclopédias (incluindo a luso-brasileira) os melhores dicionários, as melhores obras da literatura, o Atlas, enfim, os melhores livros que existiam na altura, e que a minha mãe, lá conseguia – a prestações – comprar.
            Voltaremos ao supérfluo mais tarde.
            O meu outro grande professor foi o meu avô materno.
         Este (autêntico) senhor, conseguiu sozinho montar uma pequena indústria familiar de rolos e pincéis, porém, trabalhava tanto e produzia tais quantidades, que em casa eram recebidos telefonemas da Inglaterra e de Cabo Verde, das empresas clientes, que pediam a quem atendia o telefone (nomeadamente à minha mãe) para passar a chamada à secção da contabilidade, a qual era composta pelo meu avô (que fazia a “escrita” ao Domingo), e pela minha avó, que nos intervalos de fazer roupa para fora, e bacalhau para o almoço, lá ia despachar as encomendas aos correios. Estes telefonemas para a contabilidade eram sempre motivo de grande risota.
            O meu avô, tinha na vida um grande medo (e hoje percebo-o) – as Finanças.
          Mas trabalhou e nunca ficou a dever nada a ninguém, e sobretudo, poupou o suficiente para que ainda hoje a minha avó tenha uma vida confortável.
            Se o meu avô foi um exemplo de trabalho, foi. Mas foi sobretudo um exemplo de honestidade.
            Sem o querer aborrecer ou entendiar, deixe que lhe conte uma história do meu avô.
            Este homem, ia à cidade do Porto com alguma frequência, e ia de comboio.
            Por vezes a bilheteira do apeadeiro onde entrava estava fechada, e durante a viagem o revisor não aparecia.
            Ora qualquer “chico-esperto” esfregaria as mãos de contente, pensando nos tostões ou escudos que teria poupado. Mas o meu avô não. O meu avô assim que saía na estação de S. Bento ia comprar o bilhete que não tinha podido comprar antes (provavelmente hoje em dia o sistema não ia permitir).
            É, na minha opinião um grande exemplo de honestidade.
            Mas voltando ao motivo da minha carta – a expressão do meu agradecimento.
           Sempre me disseram que sempre que não soubesse alguma coisa, deveria perguntar a quem sabe ou, procurar saber, lendo e estudando.
            É isso que sempre tenho feito, e faço com bastante regularidade, já que reconheço que o saber é tão vasto, que há de facto muito que não sei, e não sei de Finanças Públicas, mas estou disposta a aprender.
           Ora os já meus referidos professores de finanças privadas, ensinaram-me a distinguir o importante do supérfluo, a ser poupada e honesta.
         Porque não percebo nada de finanças públicas, e é o tema do momento, achei que o melhor professor para me ensinar seria Vª Exª, e como mais depressa se aprende com a prática do que lendo apenas teorias, analisei as medidas de austeridade que Vª Exª pretende aplicar.
            Corrija-me se estou errada, mas da análise efectuada concluí que, somos um país que na coluna do “débito” (a que aprendi na escrita do meu avô como sendo a do vermelho) tem um valor superior ao que se encontra na coluna do crédito, vai daí, Vª Exª toma medidas, tais como aumento de impostos para equilibrar as contas.
           Aqui chegada, sou assaltada pela primeira dúvida. Ora, como é que eu para equilibrar as contas lá de casa (porque com o aumento de impostos tenho menos rendimento liquido) aumento a receita?
            E concluí que não posso (não sou piegas, nem malandra, mas a lei diz que não o posso fazer).
            E então como resolver? Já sei. Tenho que diminuir na despesa.
            Socorri-me novamente dos exemplos dados por Vª Exª, nomeadamente ao retirar os subsídios e a diminuir o valor dos vencimentos e pensei: “Já sei, vou dizer à minha empregada que lhe vou reduzir o valor que lhe pago à hora pelos serviços de limpeza.”
            Rapidamente percebi que seguir este exemplo dado por Vª Exª era no mínimo profundamente injusto, já que se acordei com a senhora um valor à hora, não posso unilateralmente determinar a redução desse mesmo valor.
            Então em que despesa é que eu vou reduzir?
            Não, também não pode ser no valor do ATL dos meus filhos (andam na escola pública por isso não há despesas do colégio), porque se lhes disser que agora decidi pagar menos, eles, e bem, mandam-me às urtigas (isto para ser educada, porque penso que não seria bem às urtigas que me mandariam).
            Mais uma vez em que despesa, senhor, em que despesa?
            E  forçosamente concluí que teria que ser, não sei muito bem onde, mas talvez menos cafés por dia, mais sopa às refeições, enfim, andei a dar voltas à minha cabeça, e sou-lhe franca, não estava bem a ver.
Não conseguia. Pensava, pensava e nada.
       Até que finalmente, Eureka, percebi como o fazer, e daí esta carta de agradecimento e admiração.
            Eu tenho é que aumentar a receita como faz Vª Exª, que comunica ao País aumentos de impostos ou taxas, ou o que lhe quiser chamar, e assim já consegue.
            Assim, Sr. Ministro, é grata, agradecida, com uma profunda admiração, quase em êxtase que lhe comunico que está notificado para proceder de imediato a um aumento de 30%  do meu vencimento (para dar para o que aumentou em IRS e em IVA de bens essenciais e já agora para o combustível - bem hajam as gasolineiras e esses aumentos não acordados mas em uníssono, um dia destes têm que também me ensinar como se consegue tal feito-.
            Afinal, tantas voltas que dei à minha cabeça a pensar onde iria cortar, para perceber que basta seguir os exemplos de Vª Exª para perceber que não é preciso cortar despesa é preciso é criar receita, e de forma imediata, e como não posso aumentar impostos (a receita que o Estado tem) aumento a única receita que tenho – o meu ordenado, e faço-o como? Como Vª Exª. Comunico o aumento.
            Se Vª Exª soubesse de finanças privadas, como a maioria dos portugueses é hoje obrigada a saber, seria impelido pela consciência ética e prática a uma redução das despesas da máquina do Estado. Mas não a despesa com salários (porque cai na categoria do essencial), e sim a despesa com o supérfluo, e vai daí, diminuiria nos dinheiros concedidos a Fundações (sim, essas que são clubes de determinadas famílias e que não se percebe que interesse público encerra a manifestação prática do seu objecto), reduziria os cargos ocupados por um conjunto de energúmenos e cujo resultado se traduz em rigorosamente nada, colocaria um fim às parcerias publico privadas nas quais o Estado sobretudo tem o dever de pagar e o privado o direito de receber (é que se Vª Exª se está borrifando para o Tribunal Constitucional, um incumprimento contratual deve, coerentemente, ser equiparado a “trocos”)  e sobretudo tomaria um conjunto de medidas para criação de emprego e crescimento da economia, assim poderia depois ir cobrar o IRS e IRC que alimentam o funcionamento da máquina do Estado.
            Mas isto sou eu que, como disse, não percebo nada disto.
         Sem o querer aborrecer com esta missiva que já vai longa, mais uma vez Sr. Ministro, muito obrigada, obrigada pelo esclarecimento, obrigada pelo exemplo, do fundo do coração o meu muito obrigada, e claro, cá fico à espera do aumento (e não se preocupe com despachos ou portarias, já que algumas reduções foram efectuadas sem qualquer suporte legal e por unilateral alteração do programa informático – o sistema como se costuma dizer).
            Despeço-me, não sem antes o informar, que darei conhecimento desta minha descoberta usando os meios ao meu dispor, ao maior número de portugueses, porque, também sempre me ensinaram a partilhar.
            Grata, muito  grata,

                                                                                              Atentamente