quarta-feira, abril 24, 2013

Passaram 10 anos,

e eu sei exactamente onde estava há 10 anos atrás.
Estava na Pré Natal do Arrábida Shopping a comprar a cadeira auto para o J.
O telemóvel tocou,e eu gelei, antecipando a noticia.
Do outro lado ouvi "X. o teu pai morreu". Respondi: "OK"
O M. perguntou o que se tinha passado, e a empregada da loja à minha frente, respondi: " o meu pai morreu. E essa cadeira, pode pagar, venha comigo ao carro para a montar em segurança".
Lembro-me da cara dela, saltaram-lhe as lágrimas, pela minha frieza, e eu nada disse, o M. só olhava para mim, e eu respondi: "Anda lá que tenho assuntos para tratar".
Foi o primeiro dia que conduzi o ML todo o dia.
 Foi o primeiro dia que o J. ficou no infantário todo o dia.
Tratei de tudo com a minha mãe e com a Ana.
Não te reconheci.
Não eras tu. Estavas inchado, sem as feições que eu conhecia, não eras tu.
Flores, telefonemas, flores, igreja, preparativos, conversas, avisos, e parecia que ouvia tudo em eco, como se eu não estivesse ali.
Pedi ao M. para ficar com o J. enquanto ia à igreja e estava com a minha mãe. a Ana, e os que ia aparecendo.
Devo me ter rido (há sempre um momento de gargalhada incontrolável em todos os funerais) mas não me lembro.
Lembro-me do dia 25 de Abril de 2003, a missa à qual não passei bilhete. Entrei no jipe, o M a conduzir, e ali perto da passagem de nível de Mira tive que dizer para parar e para eu sair.... E era uma dor tão forte, uma dor apertada, um grito contido, um revolver de entranhas, um choro tão desesperado, que ainda hoje consigo sentir essa dor, esse aperto no peito que me fez querer vomitar.
E o M. do alto da sua (in)sensibilidade  a única coisa que me disse, foi " se era para chorares, era escusado ter parado".
Claro que era. Era até escusado ter chorado, era até escusado ter sofrido, era até escusado sentir a falta do meu PAI.
M. sempre foste um filho da puta, um cabrão tão grande, que nem a dor da minha dor soubeste perceber.
Fomos para o Porto, ali para os lados de Campanhã, e o Fernando Sousa foi cremado, de acordo com o seu desejo.
No dia seguinte (26) acordei e fui à Aguda ao supermercado.
Disse-me a Nanda: "Nunca pensaste que te doesse tanto."
É verdade, nunca pensei.
Nesse dia, junto ao mar, senti as tuas cinzas e ossos entre os dedos...
Sabes o que nunca mais senti?
As tuas mãos fortes a agarrarem as minhas.
O som da tua voz a dizer "prenda-a bem, que ela solta-se, com amarras".
Sabes do que tenho mais saudades pai?
De te poder chamar e esperar para me tratares as feridas nas mãos e nos joelhos, de sentir  (e se me puno por isso...) que eras o meu preferido, que gostava mais de ti do que gostava da Mãe.
A sério, dava um  braço para que me voltasses a dar o estalo que (sem razão) me deste no "Bar Isto".
Dava o outro braço, para que na nossa ultima conversa me dissesses que me amavas, que eu era a tua Xu, Dava um braço, para que a tua ultima conversa não fosse a absoluta ignorância da minha vida: que eu já tinha acabado Direito na Católica e que o João era o meu filho, o meu amado, filho!!!!!
Dava tanto por mais 30 minutos ....

Sem comentários:

Enviar um comentário